( CAPITULO 3 de ” Uma História de Amor”)
3.
Covent Garden – Londres
(4 dias para o Natal)
Reconstituindo as últimas quarenta e oito horas – já no avião a caminho de
Londres -, não sabia onde tinha ido buscar tanta força e coragem; ou se calhar sabia: à certeza que reencontrar Luís estava na sua mão, que era hora de lutar, não de desistir.
Eram duas horas de viagem em que podia, finalmente, dormir um pouco – as noites anteriores, quase em claro, pesavam-lhe nos olhos e no pensamento. E, entre as turbinas barulhentas que embalavam a subida e o suave planar – já no céu de neve – despediu-se da Cidade da Água. Sentia-se confiante, agora, dotada de asas que a levariam de volta ao Amor.
Londres, em chuva, minúscula, a surgir na janela do avião. Teresa num misto de ansiedade e calma que lhe trazia a perspectiva do encontro – como se do primeiro se tratasse.
O Big Ben reconheceu as duas da tarde e a chuva sucumbiu. Teresa decidiu deambular um pouco pela cidade – a preferida de Luís! Talvez por isso resolvera antecipar a sua partida de Budapeste? Estaria a preparar-lhe alguma surpresa? Teresa interrogava-se enquanto se diluía na multidão eclética das ruas; havia, em Londres, uma atmosfera única, que os fazia sentirem-se em casa. Chegara junto à Tower of London e apeteceu-lhe entrar, como tinham feito da outra vez. Lembrava-se como os fascinara a lição de história, o espólio, magnífico, de séculos – entendiam-se tão bem nas escolhas a fazer, nos percursos a explorar, no que haviam de planear ou deixar ao acaso ( não serão assim todas as almas gémeas?) que, de repente, nada lhe parecia fazer sentido sozinha. Um casal partilhava um sanduíche junto à Queen´s House e Teresa pensou se não seria uma partida da memória, a projetar um holograma deles próprios – a urgência de encontrar os seus olhos, o seu abraço seguro. Não esperou mais: fugindo à chuva-nevoeiro que voltara, como um mau presságio, desceu ao subterrâneo na Tower Hill Station e, num impulso, saiu em Picadilly – se bem se lembrava atravessaria Leicester Saquer e estaria em Covent Garden.
E, ao enfrentar de novo o céu aberto, foi recebida pelo nevoeiro que condensara em si toda a chuva e criava um véu espesso sobre as luzes da cidade. Do outro lado da rua, a Fortnum & Mason, magnífica e imponente, a arrebatar-lhe a mais doce recordação dos planos por concretizar (mas tão certos no céu coração!)
MERRY CHRISTMAS
O olhar desprendeu-se, a custo, do neon verde e vermelho da loja, e Teresa ia retomar o passo – eram quase quatro horas, não podia, de forma nenhuma, atrasar-se! – quando o viu: a silhueta, o cabelo quase preto meio desalinhado, a postura determinada – a sair da Fortnum & Mason, apressado, uma gabardina cinzenta. Teresa quis gritar, mas não conseguiu; as pernas, há pouco tão ágeis e rápidas, agora pesadas e imóveis. O azul dos seus olhos a segui-lo, toda ela a segui-lo com os sentidos – presa ao chão londrino.
-Luís!
Bastou uma fracção de segundos para que a imagem de Luís fosse engolida pelo misterioso nevoeiro, ao virar da rua. Teria sido uma miragem? Teresa duvidava já do seu estado mental – mas não tinha tempo a perder. Recuperou a respiração que por momentos perdera,
– Luís!
voltou a gritar tão alto quanto pode, mas a sua voz foi engolida pelo ruído da cidade; atravessou no meio do trânsito, atropelou um canteiro de flores húmidas e só parou em Covent Garden. De Luís nem sinal.
Não precisou de esperar mais cinco minutos para saber que não se iam reencontrar ali. E não era por causa da confusão de gentes que se juntava, em compras, em conversas, em audiência das diferentes performances – era porque não tinha chegado o momento. E todas as histórias têm os seus capítulos, os seus momentos – até a mais tranquila história de amor pode ter a sua aventura, as suas inseguranças, os seus desencontros.
Deixou-se estar mais um pouco – havia um Pai Natal estátua, um pintor de rostos modernista e café quente a ser servido num pub. No meio da ecolalia aconchegante, aquecida pela cafeína, caminhou um pouco, atraída por uma viola que embrulhava uma canção – “going home”, dizia o refrão, numa voz quente. Havia uma pequena multidão a amurá-lo, mas Teresa, esguia e discreta, chegou até ao guitarrista tão talentoso. No chão, junto aos seus pés , um pequeno embrulho, com uma etiqueta
F&M
Para a Teresa