a sua história (também) dava um conto.te?

 

 

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“A primeira paixão dos papás aconteceu muito tempo antes de eu existir.

A esse tempo só acedo por memórias emprestadas, por documentos únicos do Arquivo Nacional Casa dos Avós e do Arquivo Secreto

dos Arrumos, onde há sempre alguma fotografia inquieta a espreitar de um álbum, ou caixas forradas a agendas e cadernos

manuscritos e tesouros valiosos dos famosos escuteiros.”

( conto.te 2014)

” um conto.te para contar aos meus netos a história de vida da minha avó…”

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   “A minha bisavó tinha um talento: era uma cozinheira de alma cheia, e acabou por salvar a sua vida  (e a da minha avó)  utilizando-o.

Cozinhava, em casa de senhores abastados, para alimentar egos e aparências – avaliavam-lhe as iguarias como se fossem literatura ou joias.

A minha bisavó não sabia ler e  tinha apenas um par de brincos de ouro, oferecido pelo seu marido no dia em que a minha avó fez três anos – um bilhete junto, na mesa da cozinha, a sombrear a luz dourada que deles vinha:

“ Tinha que ir. Tu sabes porquê. Teu para sempre.”

( conto.te2014)

[ wonderland ]

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“Caminhávamos devagar na quietude do branco. O frio agreste dissimulado na doçura pueril do cenário. As árvores, tingidas de cal fingida,  a envolver-nos em deslumbramento –  bailarinas imóveis, em sofrimento oculto na   perfeição e simplicidade –  num bailado estático de perfeita harmonia com casas, pedras, céu, estrada.

Caminhávamos, ainda,  em busca do topo da montanha mágica, num andar ofegante e seco –  como o frio daquela manhã. Um percurso silencioso e íntimo que nos levaria ao êxtase – um instante de descida fulgurante, desenfreada, rasgada, tonta; sentiríamos o sangue – quente, vermelho, vivo –  nas faces, nas veias.

Contradições de inverno.”

$O amor faz o ladrão$… o Conto.te é versátil ♛

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Não consegue compreender como aquilo aconteceu – o assalto fora planeado ao milímetro, durante meses, quando não estava no turno da noite do hipermercado. O seu Informador não poupara nas recomendações: apartamento na Foz, tudo novo, tudo caro: aparelhagem B&O, torneiras em ouro, um ecrã de LED em cada divisão –  já transformados, aos seus olhos sonhadores,  nas férias com a Nina. Ela não desconfiará –  “o trabalho de segurança é bem pago, nestes tempos incertos”, digo-lhe e mato duas mentiras de um só alibi: as ausências constantes e a receita extra.

Não consegue compreender como aquilo aconteceu –  tantas horas de treino, no facebook, quando estava no turno da noite do hipermercado. Andava com insónias, é certo –  talvez a (maldita) consciência. Quando finalmente conseguia adormecer o Padre Anselmo aparecia-lhe, nos sonhos, e acordava a tremer, a tremer e a Nina preocupada  – “isso foi coisa que comeste”. E ele que sim, com certeza foi, ia tomar o anti ácido e já ficava bem, e abusava dos comprimidos para dormir dela e talvez isso não tenha ajudado. Porque o plano era simples e tudo estava claro na sua cabeça: Rua A. Carvalho, apartamento 32. Sexta feira, chegar às 19:00, sem atraso. Eles saem pelas 19:45, para jantar fora.Verificar a saída do BMW da garagem. Se tudo correr como o previsto, entrada com Cartão do FCP (é dos melhores para assaltos!) às 19:55, no nº 32 –  virar à direita depois de ter subido, de dois em dois, os degraus da escada corta fogo. 

Uma distracção: virou à esquerda –  não consegue compreender como. A porta cedeu, claro, indiferente ao facto de ser a porta errada. 

O apartamento errado: não havia sistema de som, jóias ou jarrões Mottahedeh. Só livros. Livros nas paredes do corredor, nas paredes da sala, da cozinha, dos quartos –  para que lhe serviam livros, a ele, que queria era uma vida melhor?

O homem que estava na sala, a ver televisão, olhou-o com espanto –   a sua confiança no plano era tanta que não tinha a cara tapada, não levava arma. Poderia ter inventado uma desculpa – “alguém deixou a porta aberta, desculpe, eu enganei-me na casa dos meus amigos”.  Mas eram oito horas –  a hora errada: a noticia de abertura do telejornal ecoou, carrasca:

–  Jogador de Criminal Case  pode estar a planear assalto a apartamento da Foz, ainda hoje!

 

❧Todas as histórias de amor merecem um final feliz ❧ –

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Ali chegou, sozinha. Ali estava, na mesma estação, doze anos depois, o tempo  suspenso, como as buganvílias no muro atrás de si, parede externa do café Vapor.

Tudo na estação evoca, aliás, um tempo suspenso, tudo parece ser eterno: os intervalos dos silêncios, feitos de apitos estrídulos e desgarradas de pássaros vulgares; o café Vapor, na obscuridade das suas mesas de fórmica e o som disforme da televisão sempre na SIC,  os bolos de arroz  sempre na mesma disposição geométrica no balcão  – seriam a fingir? – , sempre as mesmas pessoas, a ocupar os mesmos gestos, no ciclo infinito das horas, dos dias, dos meses, afinal, tão próprio das estações.

Há doze anos:

Adeus Ana Marta

Um aceno amargurado: sabemos quando estamos perante o amor da nossa vida mesmo quando não temos termo de comparação. Lembra-se dum cigarro inconsequente, entre os dedos, a sossegar o tempo e o mundo.

“Tudo vai ficar bem – em casa sempre estamos bem. Aqui me amparo, aqui nada me falta.

Falta-lhe o ar, agora. Apetece-lhe muito um cigarro que corte a nortada, fria,  que invade o fim de tarde que parece insistir em não virar crepúsculo.

Chego ao escurecer… oito e um quarto, no comboio que apanho em S. Bento

E se o fim de tarde ficar suspenso, como sempre tudo naquela estação? Como a vida dela ficou, afinal, durante doze anos.

Que ilusão tinha sido a dela, achar que àquilo se poderia chamar VIVER?

Falta-lhe o ar novo que nunca respirou como lhe falta o amor que nunca arriscou viver. Parada, à espera, naquela estação, percebeu: estava ali há doze anos.

O Sol gemeu, lentamente atropelado pelas carruagens que se anunciaram, ao fundo. O ar, gélido, a faltar-lhe no peito.

E então ele, a descer os degraus para a plataforma. E ela. E, no reencontro do primeiro olhar, Ana Marta percebeu que teria valido a pena esperar outros doze anos.

capitulo I ( todas as histórias tem o seu princípio)

( Porto,  março 2009)

Esta historia começa mal: sexta-feira-treze, trânsito enfartado no lusco-fusco de um Outono mal resolvido – um acidente acontece em plena Avenida.

Eu, a caminho do meu encontro, ainda não sei, mas suspeito: um semáforo daltónico,  uma mulher ao volante, uma correria para chegar a casa no dia esgotado; os pensamentos, a mil a hora, sem conseguirem travar a tempo – o embate seco.

Os escombros, de pouca monta, são rapidamente resolvidos por pirilampos salvadores. Nada demais – por agora; nada que me tire a satisfação do ritual sagrado das noites de sexta: jantar no restaurante de sempre, com os outros dois cúmplices, para início de partida com prolongamento, por vezes, num dos bares da Baixa – momento alto da nossa semana de médicos devotados, sem mulher nem filhos a atrapalharem-nos a solidão.  Temos uma amizade de vinte anos feita de cumplicidade poderosa; filtrada de invejas ou pesagens constantes na balança dos teres e haveres da vida. Desconfio que é um mundo completamente vedado às mulheres, uma espécie de Terra do Nunca que nunca terão entre elas.

Enfim, chego. A atmosfera de sempre no Galinha do Campo onde os outros já me levam avanço:

– Vamos começar a segunda parte: cabrito no forno. Perdeste a atuação – irrepreensível – da sopa de legumes!

– Um trânsito apoplético!

Palmadinhas nas costas, fraternas; os cheiros e os sorrisos habituais do restaurante que me acolhe – uma segunda casa, onde partilhamos desamores, vitórias e derrotas, piadas e opiniões políticas. O Sr. Rodrigues desabafa ansiedades futebolísticas enquanto nos serve o arroz de grelos – antídoto para qualquer tristeza! -, tudo numa algazarra eficaz a ligar os sensores da felicidade.

Estávamos no encore (merecido!) do cabrito quando o meu telemóvel tocou, num prenúncio de tragédia:

– Tem que vir, Doutor. Temos aqui um acidente de viação – está amnésica. Não se lembra de nada.  A não ser…

– A não ser?

– De si. Quer dizer… do seu nome.

Fim de festa. Saio do restaurante, entro na escuridão da noite que se pôs mal disposta – a chuva, irritante, obriga-me a uma corrida quando saio do carro; tropeço no degrau da entrada do hospital, sem consequências de maior a não ser para a minha auto-estima. Um doutor pingado, de sobrolho franzido, refletido nos olhos da Enfemeira-Chefe e de uma perfeita desconhecida que entrou numa noite escura da memória onde o único pirilampo salvador é o meu nome.

– Leonardo! Leonardo Matos, que bom que chegou!

 ( para a Margarida que me ensinou que o melhor dos nossos dias é, tantas vezes, a espuma dos dias )

“hino ao amor incondicional”

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Serás sempre o conforto do meu coração – e um lugar desses é irrepetivel, insubstituivel.

Serás sempre o garante da ternura, a minha reserva de ouro.
Serás sempre a promessa da vida sonhada, a infinita intimidade,

a mais profunda entrega –
aquele lugar entre o ombro e o pescoço onde, rendidos, sentimos estar a salvo de todos os males.

Serás sempre um porto de abrigo e de partida.

Serás sempre as possibilidades infinitas.

Estarás sempre em mim. Dançaremos sempre.

E essa será, afinal, a nossa história de amor:

Maior que os dias. Maior que a vida

conto.te®

Podemos contar a sua História de Amor…

( CAPITULO 3  de ”  Uma História de Amor”) 

3.

Covent Garden – Londres

(4 dias para o Natal)

Reconstituindo as últimas quarenta e oito horas – já no avião a caminho de

Londres -, não sabia onde tinha ido buscar tanta força e coragem; ou se calhar sabia: à certeza que reencontrar  Luís estava na sua mão, que era hora de lutar, não de desistir.

Eram duas horas de viagem em que podia, finalmente, dormir um pouco – as noites anteriores, quase em claro, pesavam-lhe nos olhos e no pensamento. E, entre as turbinas barulhentas que embalavam a subida e o suave planar – já no céu de neve – despediu-se da Cidade da Água. Sentia-se confiante, agora, dotada de asas que a levariam de volta ao Amor.

Londres, em chuva, minúscula, a surgir na janela do avião. Teresa num misto de ansiedade e calma que lhe trazia a perspectiva do encontro – como se do primeiro se tratasse.

O Big Ben reconheceu as duas da tarde e a chuva sucumbiu. Teresa decidiu deambular um pouco pela cidade – a preferida de Luís! Talvez por isso resolvera antecipar a sua partida de Budapeste? Estaria a preparar-lhe alguma surpresa? Teresa interrogava-se enquanto se diluía na multidão eclética das ruas; havia, em Londres, uma atmosfera única, que os fazia sentirem-se em casa. Chegara junto à Tower of London e apeteceu-lhe entrar, como tinham feito da outra vez. Lembrava-se como os fascinara a lição de história, o espólio, magnífico, de séculos – entendiam-se tão bem nas escolhas a fazer, nos percursos a explorar, no que haviam de planear ou deixar ao acaso ( não serão assim todas as almas gémeas?) que, de repente, nada lhe parecia fazer sentido sozinha. Um casal partilhava um sanduíche junto à Queen´s House e Teresa pensou se não seria uma partida da memória, a projetar um holograma deles próprios – a urgência de encontrar os seus olhos, o seu abraço seguro. Não esperou mais: fugindo à chuva-nevoeiro que voltara, como um mau presságio, desceu ao subterrâneo na Tower Hill Station e, num impulso, saiu em Picadilly – se bem se lembrava  atravessaria Leicester Saquer e estaria em Covent Garden. 

E, ao enfrentar de novo o céu aberto, foi recebida pelo nevoeiro que condensara em si toda a chuva e criava um véu espesso sobre as luzes da cidade. Do outro lado da rua, a Fortnum & Mason, magnífica e imponente, a arrebatar-lhe a mais doce recordação dos planos por concretizar (mas tão certos no céu coração!)

MERRY CHRISTMAS 

O olhar desprendeu-se, a custo, do neon verde e vermelho da loja, e Teresa ia retomar o passo – eram quase quatro horas, não podia, de forma nenhuma, atrasar-se! – quando o viu: a silhueta, o cabelo quase preto meio desalinhado, a postura determinada – a sair da Fortnum & Mason, apressado, uma gabardina cinzenta.  Teresa quis gritar, mas não conseguiu; as pernas, há pouco tão ágeis e rápidas, agora pesadas e imóveis. O azul dos seus olhos a segui-lo, toda ela a segui-lo com os sentidos – presa ao chão londrino.

-Luís!

 Bastou uma fracção de segundos para que a imagem de Luís fosse engolida pelo misterioso nevoeiro, ao virar da rua.  Teria sido uma miragem? Teresa duvidava  já do seu estado mental – mas não tinha tempo a perder. Recuperou a respiração que por momentos perdera, 

 – Luís!

voltou a gritar tão alto quanto pode, mas a sua voz foi engolida pelo ruído da cidade; atravessou no meio do trânsito, atropelou um canteiro de flores húmidas e só parou em Covent Garden. De Luís nem sinal. 

Não precisou de esperar mais cinco minutos para saber que não se iam reencontrar ali. E não era por causa da confusão de gentes que se juntava, em compras, em conversas, em audiência das diferentes performances –  era porque não tinha chegado o momento.  E todas as histórias têm os seus capítulos, os seus momentos – até a mais tranquila história de amor pode ter a sua aventura, as suas inseguranças, os seus desencontros. 

Deixou-se estar mais um pouco – havia um Pai Natal estátua, um pintor de rostos modernista e café quente a ser servido num pub. No meio da ecolalia aconchegante, aquecida pela cafeína, caminhou um pouco, atraída por uma viola que embrulhava uma canção – “going home”, dizia o refrão, numa voz quente. Havia uma pequena multidão a amurá-lo, mas Teresa, esguia e discreta, chegou até ao guitarrista tão talentoso. No chão, junto aos seus pés , um pequeno embrulho, com uma etiqueta

F&M

Para a Teresa